quinta-feira, 18 de março de 2010

Presença

Não hesitou. Deu um último sorriso, meio irônico, meio sincero, completamente triste, falou umas duas ou três palavras que não escutei, virou-se e saiu. Não mudou nada de lugar como sempre fez. Deixou o apartamento exatamente como gostava que estivesse, organizado do jeito dela: vários origamis coloridos espalhados pelos móveis, algumas flores artificiais em latinhas de refrigerante [sempre achei tão infantil], incenso na janela, janelas [todas] abertas, e no meu mp3 pronta pra tocar "Atoms for Peace" típica dela, quando as coisas não iam muito bem. Dizia que os origamis a faziam companhia na minha ausência. Dizia também que as flores eram artificiais porque ela podia imaginar um cheiro diferente pra cada uma delas em horas diferentes. O incenso sempre na janela, na esperança de eu ter vontade de acendê-lo pra compartilharmos o mesmo cheiro.
Deixou assim porque sabia que na hora eu não correria para alcançá-la nem decidiria sair pra tomar um ar lá fora; ficaria sentado no sofá por algum tempo, em silêncio, ouvindo o mp3. Previsível, sempre dizia. E assim foi. Observei cada detalhe antes de sentar; toquei as flores artificiais como se fossem reais; acendi o incenso com a vontade que nunca tive antes; e coloquei todos os origamis em uma posição em relação ao sol que provocassem sombras grandes [aprendi com ela]. Depois sentei, mas mudei a música. Por birra, talvez... por não querer que ela me intimidasse também nisso. Mas ela estava em tudo, não precisava estar presente em música ou em corpo. Estava no cheiro da minha camisa, nas cores das minhas paredes, nos sons das minhas memórias, nos porta-retratos de todos os tamanhos, no anelar da minha mão esquerda, em parte da minha vida. Estava nos meus sonhos estranhos, nos meus desejos sexuais, nos meus sorrisos exagerados.
O tempo que fiquei ali sentado foi o tempo suficiente. Suficiente para odiá-la por entrar na minha vida e odiá-la por sair dela. Suficiente para odiá-la por me levar uma parte minha, que já era dela.
O tempo que fiquei ali sentado foi o tempo suficiente. Suficiente para desejá-la por perto. Suficiente para desejá-la comigo, porque ficando sem ela ficaria também sem mim.

2 comentários:

Unknown disse...

Ei moça,tu me dá vontade de escrever,primeiro foram teus comentários no blog que eu estava prestes a abandonar,depois são teus escritos aqui,feitos de um jeito tão familiar...textos que parecem belos quadros coloridos...voltarei sempre =]

Letícia Freire de Moraes disse...

Ô Cel, segue junto, isso ae! (: