sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O meu desacomodar

Com certa coragem e esforço, venço a inércia do meu mundo e do meu corpo e, de peito aberto, me lanço neste espaço eterno entre o meu frágil estado e o teu imponente conforto. Não digo que não espero, pois que a esperança parasita-me há tanto. Espero sim ver-te ao longe com um sorriso posto, que não seja vago e muito menos de desgosto. Espero também tua abertura e leveza ao me receber e acomodar, visto a força que proporciono ao me deslocar. Assim deixo a rudeza, a solidão e parto numa cândida jornada onde caminho rápido e atenciosamente pela areia incerta da atitude repentinamente tomada. E em cada mínimo espaço de tempo experimento a grandeza de me ver livre de minha própria reclusão e ao mesmo tempo exposta aos perigos de tua misteriosa recepção.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

I'm just saying.

Sim, as pessoas querem gostar umas das outras. Mais de umas que de outras, claro. Certamente também querem ouvir o som que as agrade. Mas este agradável é sempre relativo ao quanto elas são susceptíveis à influências. Absolutamente, querem assistir empacotados diários, futebol-comércio, filmes ou qualquer coisa que represente algum tipo de ficção. Passatempo, por quê mais? Elas querem o entretenimento e o entretenimento as quer muito mais! Elas querem se livrar da dureza do dia, das centenas de horas guardadas no saco da experiência. Querem um tempo pra nada e nada mais. O tempo que se passa livre pertence a cada um. E cada um faz o que bem quiser do seu. Mas quem não sabe disso? Então deixe-me ser e ser assim ou assado. Entreter ou ser entretido. Não sou diferente. Talvez queira ser. Mas só.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Posso querer, ou não.

Ainda não entendi o objetivo de toda a coisa. A coisa toda tem lá um objetivo?
Deparada outra vez com as mesmas questões vitais, olhando de outro ângulo, reformulando, esmiuçando, me canso. Tudo o que eu tenho não tenho. Que vida mais sem sentido é essa. Renda pra demonstrar. Pelo pra cortar. Roupa pra exibir. Educação pra comprovar. Não! No final eu não quero nada disso. Não quero, absolutamente, viver lucidamente sociável ou aparentemente feliz. Provando aos outros o que não provo nem à mim. A conclusão é sempre a mesma: eu não quero. Quero mesmo é a verdade louca. O prazer sincero. A aparência transparente. A natureza, a potencialidade, o instinto, sem moldes.
Mas faço parte de um sistema. E por estar nele, rodeada pela sua imensa podridão, minha conclusão se polui e adoece. Vou me dopando, retardando, até explodir em inconformismos. E daqui há um tempo estou outra vez voltando às mesmas questões, analisando a coisa toda, procurando o sentido que bem sei não existe, tudo pra chegar à mesma conclusão que me mantém próxima da insanidade: a de que eu não quero.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

"Lo que tomo yo, lo pago yo."

Gosto de observar com atenção meu cabelo molhado cair no meu ombro e deslizar para o meu peito, num leve e lento movimento, enquanto estou no banho. Gosto de notar curvas que aparecem e desaparecem com o tempo. Reparar marcas, machucados, pintas que, pela minha pobre memória, vezes são novas, vezes não. Corpo que muda, cresce, enrubesce, amolece. E apesar das delicadezas, da pureza toda nua, esse corpo impermanente carrega desde sempre a mesma alma. A alma que morreu ontem. A alma que vive hoje, conservada para um hipotético amanhã. E disso não se foge, meu caro.

sábado, 20 de agosto de 2011

Nesta noite negra
que me envolve em sua sombra
desloco-me por desfastio e
desaprisionado vago em angústia.

julgo-me livre por um instante:
ledo engano me assoma à consciência:
liberdade não é sair da cela
e vagar em pátios de penitenciárias.


Por um caríssimo.

terça-feira, 26 de julho de 2011

À luz mortiça do crepúsculo
Sorvo o ar a grandes haustos
E do entorpecer de todo músculo
Obtenho meu prazer fausto.

Asseguro-me, em sutil indagação
Qual o certo dentre tantos finais:
Cessar de ser, e em desintegração
Repousar, novamente, em abismos imemoriais.



Por um tão estimado amigo.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Bullshit!

Quando é que chega essa de "independência"? Quando boto meus pés pra fora de casa, documentos debaixo de um braço, bolsa debaixo do outro e a incerteza me entupindo as vias respiratórias antes do primeiro passo? Fico ansiosa de pensar que esse dia talvez não chegue, mas já o desprezo antes mesmo dele chegar. Antes disso ainda é preciso fazer parte do sistema, ser aceita por ele, me adaptar. É preciso agradar pra ser bem-vinda. Pois existe um inabalável protocolo. Que é tão mascarado quanto seus rigorosos seguidores. Pois que então tapo os meus olhos daquela minha vaga ideologia, meus ouvidos duma inerente consciência gritante, minha boca de um ego tão doce. E assim me vejo: manipulada; independente de merda; ambulante vazia; retrocedendo na hipocrisia. Mas deve haver um outro jeito! Eu espero.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Um agrado.

Depois de um filme estimulante, num instante de olhar para a janela, percebo o tempo cinza nessa noite quieta, com o clima pardo de ócio, transformar-se em energia, vir à tona, meio cor, meio brilho. Aumenta o contraste, a vontade, uma piscada demorada, e vê-se uma palavra, nota-se um som, um conjunto, em complemento. Vem pra dividir. E eu me divido em dois e eles se fitam, imparciais. Um permanece com a palavra, se balança ao som e se alegra estranhamente. O outro é todo inexpressivo, frio e insatisfeito. O que tem a palavra a compartilha: "liberdade", pisca devagar e sorri. O outro se enche de encanto, acende um cigarro e agradece.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Nunca fui par de ninguém.

Num discreto deslizamento que é próprio do quieto, passei por eles com respiração trancada. Cabeça baixa e mão fechada. Com cuidado absoluto, não notei nem fui notada. Mas senti, na passagem, meu estômago e sua ânsia me doer de desgraça, me matar de esperança. Desgraçada da vida, esperançosa de tudo, atravessei a rua e respirei. Nunca fui par de ninguém, pensei. Mas não serei pra sempre uma.

sábado, 9 de abril de 2011

Assim ele se expressa: [2]

Meu fim eu sei qual é. Mantenho-me tranquilo e inquieto. Lutar contra? Mas qual o sentido? Não há sentido em nada, é um contrassenso ir contra o termo de minha vida. A luta é vã e o termo sou eu quem põe. Gozando de minha liberdade o atraso, decepcionando-me o adianto. A decisão está tomada. Alguém me passa a cerveja?

Pelo mesmo estimado amigo.

Taque o pudim na cara.

Não mostre teus dentes brancos que escondem tua língua suja! Não seja delicada e agradável quando és em verdade indiferente e desgostosa. Não ofereça teu copo se não quer ele vazio. Não levante questões quando estas são incontestáveis. Reprima-se, se alguém não o faz por você. Condene-se e liberte-se, em seguida, objetivando o gozo. Espere, objetivando o gozo. Prossiga, esperando. Procure um novo sentido. Procure o verdadeiro sentido das coisas e permaneça procurando. Sua cabeça está cheia, mas seu coração não. Então jubile-se! É a tua unica oportunidade.

sábado, 2 de abril de 2011

Assim ele se expressa:

"A tristeza sem Deus perde um pouco de seu significado. De um lado, não nos abatemos inconscientemente por ser o filho revolto que luta por sua atenção e, de outro, não nos deprimimos por ser o pródigo sem o devido reconhecimento. Inobstante, nossa vida continua sendo diluída em lágrimas. Estamos sós – é verdade -, nossa miséria é somente creditavel a nós, neuróticos por excelência, ou aos demais, igualmente neuróticos.
Tal qual embarcações sem vela, singramos à deriva o tormentoso e triste oceano da vida, acompanha-nos o vento, sugando-nos força e a (in)útil consciência. Ao fim e ao cabo: estamos cada vez mais cônscios do iminente naufrágio, mas agarramo-nos ao delírio de alcançar a uma enseada."

Por um estimado amigo.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Contudo

Um som na cabeça,
um livro na mão,
uma folha vazia, soma-se:
um borrão.

Uma noite fria,
um banco vazio,
um expresso e um torrão.
Conclusão:

Ah, se eu pudesse ser feliz sozinha.
Com essa fórmula-zinha.

domingo, 20 de março de 2011

We are accidents

É aquela velha história, daquela velha luta: rotina versus liberdade. Dentro de você, vibrando, queimando, quebrando, acontece a todo o tempo. Se não te parte o peito, parte a cabeça. E o traiçoeiro do tempo é quem faz o fogo. Enquanto ele passa, a luta se agrava. A rotina veda teus olhos, obstrui teus ouvidos, fecha tua boca e você acaba virando um mero sistema digestivo ambulante. Do outro lado, a liberdade, crucificando teus atos, ridicularizando tuas escolhas, te fazendo parar com tudo. Numa hora você finalmente cede e pára. E quando você pára, a luta passa de dentro da tua cabeça pra fora do teu corpo, transbordando, e então você chora. Chora porque nem uma nem outra te agradam em absoluto. Nada satisfaz. Tua vida continua parda. Ruma pra lugar nenhum. E no desespero de perceber teu profundo e infinito dissabor, você deseja o desaparecimento completo. Mas desaparecer é a opção dos corajosos, porque quando tua coragem não é suficiente, aí você escreve.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Mas se falta sentido, aí falta tudo.

Da cozinha pro quarto, do quarto pra sala, da sala ao banheiro, no banheiro o espelho, do espelho ao chuveiro, do chuveiro ao espelho, no espelho a verdade, da verdade pra dentro. Tempo... Do banheiro pra sala, da sala pro quarto, no quarto o espelho, no espelho a verdade, da verdade pra fora, da verdade pra dentro, de dentro do quarto, do quarto pra sala, da sala pra porta, da porta à calçada, a calçada e a noite, a noite e a lua, da lua pra dentro. Tempo...
Das ruas, dos rostos, vitrinas, encostos, tudo pra dentro. Tudo pra dentro.
Dos sons, das luzes, do vento, do frio, tudo pra dentro, ocupando o vazio.
Porque cabeça vazia não rende o dia.

quinta-feira, 17 de março de 2011

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Luz

Apenas nus, sem ornamentos ou críticas, despidos de dor, de cor, de língua, descalços na terra, realmente expostos, desapegados; assim seremos crus. Apenas na transparência da imagem, na sinceridade da alma, veremo-nos um ao outro e seremos iguais. Assim eu entendo, porque ainda assim não vivi. Então, eu quero um campo de terra aquosa. Quero um teto de palha firme, alimento sem remetente, riacho sem manchas. Uma vida distante do nome e independente da moeda. Eu não quero obrigação. Não quero ter senão opinião nenhuma. Não quero ter de ser pra mim ou pra você. Quero saber nem querer. E assim, nesse conjunto de nadas, aprenderemos a viver. De sombra à clarão. De toque à sensação. Da verdade, em verdade. E no fim que será nosso, no último fio da vitalidade bisonha, descobriremos enfim o sentido que desconhecemos agora, mas procuramos desesperadamente.

sábado, 1 de janeiro de 2011

E a minha máquina de escrever?

"Faça-me o obséquio, antes de mais nada: quando passar a vontade de fumar cigarros baratos - não quer dizer que eu prefiro os mais caros, tomar uísques de quinta de quarta ou qualquer destes destilados que tu costumas ingerir; e escrever canções deprimentes - que é a unica coisa que eu acredito que tem fundamento na tua vida, ligue-me; e assim me certificarei de que ainda vives e estás em condições de receber-me a princípio e devolver-me a máquina datilográfica, que é meu xodó desde sempre, tu sabes.

Sem amor, Rosa."