terça-feira, 20 de abril de 2010

Ato de mudar.

“Nunca se freia na curva” ele comentou. Na hora não deixou de ser um comentário normal. Tanto que continuei concentrada na minha música e nos meus pensamentos. Meu pai passando as dicas de uma vida longa de viagens pro meu irmão, minha mãe atenta, cuidando a estrada como quem cuida um filho, eu observando, aproveitando o silêncio da concentração. Coisa normal de viagem. Mas aquele comentário pareceu ter acionado algo na minha memória, porque lembrei dele por horas e horas depois. Nunca se freia na curva, Letícia, pensei comigo e ri. Mentira, não ri, sorri. Sorri por ter associado o comentário à vida mudando, fazendo uma curva para a direita em alta velocidade. Curva tão acentuada que dá vontade frear, pra diminuir a sensação de poder sair do rumo a qualquer hora. Ao mesmo tempo a adrenalina da mudança dando vontade acelerar mais e mais. É bom ver a vida mudando. É bom ver os dias fazendo curvas. Melhor ainda é se apaixonar pelo caminho, pelo silêncio de uma estrada solitária e com curvas acentuadas, pelas faixas amarelas, hora contínuas, hora tracejadas, dando a impressão de limitação e liberdade, respectivamente. Pensei também nesse comentário quando olhei pra janela e vi o sol batendo forte num pedaço dela. Sol, Letícia, o sol da manhã. Sol que há tanto não via. Sol que me pareceu mais bonito que todos os outros sois de todos os outros dias. Era um dia normal, mas tinha um sol, um sol da manhã que batia na minha janela e me fazia sorrir por estar enfrentando a vida, por estar dirigindo nessa estrada, por estar acelerando na curva acentuada. Precisei da curva pra ver o sol, mas se eu não tivesse experimentado outro tipo de vida, não poderia estar sentindo agora essa sensação de ver o sol da manhã, que bate na minha janela, que me faz sorrir todos os dias, daqui pra frente. Mudança!

sábado, 10 de abril de 2010

Pramanhã.

Uma úlcera fazendo festa no meu estômago. O frio vindo das paredes e janelas e chão para os meus pés e pernas e tronco e dedos. Nada de lubrificante nos meus olhos. Uma idéia vinda na cabeça: Eu tenho perdido o meu tempo.
Uma luz numa janela de um quarto de uma bolha. Uma cama vazia, uma música lenta, uma brincadeira de esconder num mundo de possibilidades. Uma idéia pairando na cabeça: Eu tenho perdido o meu tempo.
Um pensamento distante de um conceito incerto de uma pessoa esperta. Uma vida presente na palma da mão que aperta o crânio que leva um tiro. Uma idéia fixa na cabeça: Eu tenho perdido o meu tempo.

Mas amanhã é sempre um novo dia.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Ir e vir.

Vou sair daqui; vou sair agora mesmo. Vou rolar estes degraus, ultrapassar estas paredes, mergulhar no frio da madrugada e procurar alucinadamente. Vou me procurar especificamente nos pontos de luz, nas ruas largas, em lugares abertos; vou me encontrar iluminada. Vou depositar confiança em estranhos desconhecidos, vou querer saber de mim ao me ver nos reflexos transparentes, vou olhar bem de perto; vou conhecer os meus próprios segredos vistos de fora. Vou reviver o meu dia inteiro num copo de vidro e num banco de praça; vou saber seguir nos próximos dias. Vou sair e vou voltar. Vai ser tarde, vai ser dia, mas haverá tempo. Tempo de dizer que saí para também te encontrar iluminado, você que sai por aí, que anda sozinho, que fala da dor, que fala da vida e que tem o segredo guardado na mão; na mão machucada e na alma ferida.